geografias

6 de novembro de 2008

A Melancolia do Geógrafo

No final do mês de Setembro deste ano, Paula Moura Pinheiro convidou para o “Câmara Clara” (magazine cultural que passa aos domingos à noite na RTP2) Isabel Alçada e Francisco José Viegas, com o propósito de discutirem as valências do Plano Nacional de Leitura (PNL).
Ao longo da conversa foi notória a visão convergente de que é importante estimular esta prática em qualquer idade, contudo os ânimos exaltaram-se quando foi abordada a questão dos livros que o PNL deveria estipular como obrigatórios em cada faixa etária do público-alvo. Isabel Alçada, na posição de Comissária deste projecto, advogou a liberdade de escolha de títulos, enquanto Francisco José Viegas defendeu que seria vantajoso a determinação de um cânone que pudesse conduzir os jovens à leitura de clássicos de base da literatura nacional e internacional. E quando parecia que a discussão iria gerar um conflito pouco desejável, eis que os ânimos serenaram ao referirem, quase ao mesmo tempo, uma obra que (seja ou não “alvo” dos cânones) é sem dúvida uma boa sugestão de leitura: A Melancolia do Geógrafo, de Brigitte Paulino-Neto (Edições Asa).
Confesso que desconfiei, pensando que se tratava de um título bom demais para ser verdade, ao supor que o conteúdo aboliria de forma definitiva todo o sentido geográfico (sempre) presente na literatura. Mas nada melhor do que ler para crer. Consegui adquirir o livro com alguma dificuldade (está esgotado na própria editora) e, com pouca fé, incluí-o nos itens de leitura a curto prazo. Na verdade, e apesar de apenas ter lido metade, posso dizer que me surpreendeu pela positiva. Trata-se de uma história triangular, onde um dos vértices é um geógrafo que tenta desvendar o enigma da relação estabelecida entre os outros dois vértices, assumidos como pessoas de facto, mas que também poderão ser o mar e a terra, a geografia física e humana de um país, explicada através de um actor cuja visão geográfica é determinante para desvendar os factos da narração. O livro aborda ainda o tema da identidade portuguesa numa época em que muitos se viram coagidos a deixar o país, numa relação de amor-ódio com a pátria-mãe, e que marcaria definitivamente uma geração dilacerada pela guerra colonial e pelo isolamento face ao mundo. Anseio pelo desfecho da história. Espero que no final a “melancolia do geógrafo” transmita mais do que a própria etimologia da palavra, transpondo a barreira da mera acepção de dolência, e revele acima de tudo um pouco mais do que melancolia, talvez antes esperança e ousadia, qualidades que também fazem parte desta ciência.

Fátima Velez de Castro

(Imagem: O Geógrafo, de Johannes Vermeer, 1668-69)

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